Por que razão África poderá erguer-se como o novo campeão do trabalho flexível

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África é o novo campeão do trabalho flexível?

De acordo com as projeções do Fundo Monetário Internacional, a economia africana irá crescer mais rapidamente do que a de qualquer outro continente durante os próximos cinco anos. Hannah Hudson explica por que razão o trabalho flexível é um elemento de extrema importância desse futuro

 

A força de trabalho africana está a proliferar-se e até 2035, estes números terão aumentado mais do que as restantes regiões combinadas do mundo(1). De acordo com analistas do Banco Mundial, esta população ativa em expansão pode conduzir a um crescimento do PIB até 15%, equivalente ao dobro da taxa atual de crescimento na região(2).

O Fórum Económico Mundial está otimista em relação às possibilidades económicas. “Isto poderá aumentar drasticamente a produtividade laboral e os rendimentos per capita, diversificar [a] economia e tornar-se a força motriz para um crescimento económico estável, talentos altamente qualificados e a criação de empregos das próximas décadas,” declaram Richard Samans e Saadia Zahidi, autores de The Future of Jobs and Skills in Africa(3).

Mas, como é óbvio, não é assim tão simples. Só recentemente ´é que a Organização Internacional do Trabalho alertou para o facto de a África Subsariana e o Norte de África estarem a enfrentar desafios em termos de criação, qualidade e sustentabilidade de empregos.

Apesar da criação de 37 milhões de novos empregos com remuneração estável durante a última década, apenas 28% da força laboral de África mantém essas posições, de acordo com um relatório do McKinsey Global Institute(4). Pelo contrário, cerca de 63% dedicam-se a uma forma de trabalho independente ou "emprego vulnerável", como a agricultura de subsistência ou a venda ambulante nas cidades.

A acrescentar a isto, estão as dificuldades logísticas dos trabalhadores com remunerações estáveis em chegarem efetivamente aos centros urbanos de África. Milhões de cidades congestionadas do continente enfrentam deslocações morosas e difíceis. No Quénia, na Argélia e na República Central Africana encontram-se três das quatro principais faixas com os tempos de deslocação mais longos do mundo, embora dados recentes mostrem que o transporte deficiente poderá custar à economia da África do Sul uns avultados 104 mil milhões de dólares por ano(5)(6).

O resultado é a estagnação e a emigração. A África Subsariana possui a mais elevada taxa de emigração a nível global (1,5% em relação a uma média global de 1%, de acordo com as estatísticas demográficas das Nações Unidas), devido à falta de oportunidades de trabalho decentes.

À beira da mudança

Porém, a mudança está para breve. De acordo com o Fórum Económico Mundial, África pode tirar grandes benefícios da Quarta Revolução Industrial. Enquanto que na Primeira Revolução Industrial se utilizava água e a força do vapor para mecanizar a produção, na Segunda utilizava-se a energia elétrica para produzir em massa. Já na Terceira, utilizava-se a eletrónica e as TI para automatizar a produção. A Quarta funde as tecnologias, como a IA a robótica, a Internet das Coisas, a biotecnologia e a computação quântica.

África já assistiu a um investimento tecnológico significativo nas suas principais cidades, incluindo maior acesso à banda larga móvel, ligações por cabo de fibra ótica para residências e expansão do fornecimento de energia. Tudo isto, combinado com a rápida propagação de smartphones e tablets de baixo custo, tem permitido a milhões de africanos ligarem-se pela primeira vez(7).

À medida que a Quarta Revolução Industrial se revela, África está preparada para desenvolver novos padrões de trabalho. Do mesmo modo que os telemóveis permitiram a algumas regiões contornar o desenvolvimento da rede fixa e dos computadores pessoais na totalidade, África poderá estar exclusivamente posicionada para saltar diretamente do modelo de trabalho adotado noutros países para um futuro mais liberto do trabalho remoto e flexível.

Por que razão África poderá erguer-se como o novo campeão do trabalho flexível

A rápida propagação de smartphones e tablets de baixo custo tem permitido a milhões de africanos ligarem-se pela primeira vez

 

Uma nova maneira de trabalhar

Em muitos aspetos, o trabalho ´flexível é a solução perfeita para um continente com uma população diversa em termos geográficos, pronta para trabalhar e com uma rede de comunicações móvel sólida, que carece da infraestrutura para suportar os padrões de trabalho urbanos. Porquê insistir em grandes escritórios centrais e deslocações morosas quando existe uma maneira de aproveitar o talento de todo o continente? Em vez disso, a solução poderá estar numa força de trabalho virtual e distribuída, com empresas que integram trabalhadores freelance virtuais.

E isto já está a acontecer. Um relatório sobre profissões em tendência em África nos últimos cinco anos demonstra que o número de empresários cresceu 20%. Além disso, o trabalho em plataformas online está em ascensão, o que permite a muitos desses empresários criar start-ups inovadoras para resolver os problemas reais e criar empregos.

Um exemplo é a Gawana, uma empresa de transporte partilhado sediada no Ruanda, cujo cofundador é o empresário africano Agnes Nyambura. A nova empresa resolve um problema: o transporte de longa distância que leva as pessoas de A para B a um preço económico e que oferece oportunidades de emprego à zona oriental de África. Os viajantes que fazem os seus trajetos normais podem anunciar os lugares vagos no seu automóvel através da aplicação Gawana e assim ganhar dinheiro para a viagem ao "trabalharem remotamente" do seu automóvel. Por outras palavras, conduzem simplesmente até ao seu destino.

Outro exemplo é a Lynk, a aplicação de uma start-up sediada no Quénia que liga os utilizadores aos respetivos fornecedores de serviços pretendidos, quer seja, um contabilista, um designer gráfico ou um assistente pessoal. Com uma pessoa em cada seis desempregada no Quénia, é possível que estes estes indivíduos qualificados tenham lutado anteriormente para encontrarem um emprego formal. Agora, já podem abrir a aplicação, aceitar um emprego e muitas vezes trabalhar remotamente para realizarem as tarefas atribuídas. Este sistema é igualmente melhor para o trabalhador, que pode acompanhar as respetivas horas e obter referências que o ajudem a obter mais trabalho.

A crescente procura de programadores africanos

As grandes empresas globais já estão a começar a reconhecer o potencial inexplorado de África relativamente às suas necessidades tecnológicas, do mesmo modo que as empresas fizeram com a Índia há 25 anos. No novo mundo do trabalho, os empregados remotos nem sequer têm de viver no mesmo continente, muito menos no mesmo escritório que os empregadores.

Por exemplo, a Moringa, uma escola de programação sediada em Nairobi que desenvolve talentos tecnológicos africanos, forma mais de 250 novos estudantes por ano. Estes licenciados começam a trabalhar remotamente para empresas como o banco global Barclays, que detém escritórios em países incluindo o Quénia, o Gana, o Botsuana, a África do Sul e a Zâmbia, e para a Safaricom, uma empresa de telecomunicações africana.

Uma vez que cidades africanas como Nairobi, Lagos e Kigali se tornaram grandes centros tecnológicos com muitos especialistas qualificados em tecnologia à mão, existem imensas oportunidades de trabalho a nível global. E, graças à tecnologia, os indivíduos podem trabalhar a partir dos seus países de origem em vez de terem de se deslocar para os países onde se encontram as grandes multinacionais, contribuindo assim para o crescimento da economia local.

Um escritório longe do escritório

Os espaços de trabalho flexíveis estão a tornar-se uma parte essencial da estrutura empresarial de um país moderno. “Para nós, surgiu um elevado grau de interesse por parte das empresas locais e internacionais dispostas a marcar presença em Angola, assim como empresas que necessitavam de racionalizar e reduzir recursos não utilizados, nomeadamente o espaço de escritório”, afirma Rui Duque, Diretor Nacional da Regus em Angola.

Duas grandes marcas que contribuíram para o crescimento da Regus em África foram a Google e a P&G. A Google tem 50 funcionários com a Regus no Quénia e a P&G tem 100 funcionários no país. Embora estas empresas possuam fundos e recursos para criar os seus próprios escritórios, os custos iniciais podem ser dispendiosos em países em desenvolvimento e conseguir um escritório com os padrões de banda larga a alta velocidade, salas de reunião utilizáveis e espaço para secretárias podem ocupar tempo valioso. Além disso, a utilização de espaços de escritórios flexíveis reduz o compromisso dessas grandes organizações, muitas das quais ainda estão a fazer testes em novas cidades africanas.

As empresas africanas estão a utilizar o trabalho flexível para atrair talentos. Num inquérito de 2017 realizado pela Regus, executivos séniores e empresários confirmaram que o trabalho flexível podia ser utilizado para evitar a rotatividade de funcionários (e a consequente despesa de agências de recrutamento), com 71% dos inquiridos a apontar o trabalho flexível como um privilégio que atrai os melhores talentos.

O espaço de trabalho flexível é também a opção preferida pelos trabalhadores. 70% dos trabalhadores africanos afirmaram que trocariam um trabalho por outro semelhante caso este oferecesse trabalho flexível, ao passo que 56% recusaria, na verdade, um trabalho que excluísse trabalho flexível.

Um futuro emocionante

De acordo com o Relatório sobre Competitividade do Fórum Económico Mundial, os países mais competitivos do mundo são aqueles que fomentam a inovação e o talento de modo a ajustarem-se à natureza mutável do trabalho. Se as tendências da década passada persistirem, África terá criado 54 milhões de novos trabalhos remuneráveis estáveis até 2022(8). Parece evidente que o trabalho remoto e flexível vai contribuir imenso para este crescimento.

 


Hannah Hudson é a editora da revista Regus

Informação suplementar de Harriet Constable, jornalista freelance a residir em Joanesburgo

Fontes:

(1) https://blogs.imf.org/2017/08/08/chart-of-the-week-the-potential-for-growth-and-africas-informal-economy/

(2) http://blogs.worldbank.org/africacan/how-significant-could-africas-demographic-dividend-be-for-growth-and-poverty-reduction

(3) http://www3.weforum.org/docs/WEF_EGW_FOJ_Africa.pdf

(4) https://www.mckinsey.com/global-themes/middle-east-and-africa/africa-at-work

(5) The World Bank’s World Development Indicators, 2005: http://www.worldmapper.org/posters/worldmapper_map141_ver5.pdf

(6) https://www.whereismytransport.com/

(7) https://www.mckinsey.com/industries/high-tech/our-insights/lions-go-digital-the-internets-transformative-potential-in-africa

(8) https://www.mckinsey.com/global-themes/middle-east-and-africa/africa-at-work